domingo, 19 de outubro de 2014

Sobre liberdades

Durante a faculdade de jornalismo,fiz um trabalho sobre liberdade de imprensa e descobri o caso do Estado de Minas...Lembro de descobrir,chocada, que o controle dos meios de comunicação mineiros faria a família Sarney corar de vergonha...Foi aí que comecei a acompanhar a trajetória política do atual candidato à presidência..No filme, vários profissionais de imprensa são perseguidos,demitidos e desacreditados pela família Neves..A única diferença entre suas estratégias e as dos Sarney é a localização geográfica...Acredito termos chegado num ponto incontornável da política brasileira.Creio ser necessário mudar e por muito tempo questionei se o voto no PT seria a melhor saída.Afinal,não se parecia em nada com o partido que aprendi a respeitar ainda em 1989 e pautas essenciais como saúde e educação permaneciam ainda em pontos muito rasos de desenvolvimento.A segurança pública continuava girando em torno da polícia e as estratégias para combater a crise se limitavam ao estímulo ao consumo...Entretanto, houve avanços consideráveis em muitas áreas e o projeto político de país com o qual eu sonhara ainda persistia,mesmo que por vezes acovardado pela necessidade de aquietar tantos interesses ruralistas e conservadores.E foi ao assistir uma palestra em Salvador, do ex-ministro Juca Ferreira,que decidi meu voto,ainda antes do acidente que vitimou Eduardo Campos, que seria meu provável candidato(acredito ser primordial a alternância de poder num regime que se quer democrático).Na palestra,Juca,agora Secretario de Cultura de SP,falava sobre projetos culturais e de como foram reformulados espaços culturais da cidade para que deixassem de ser nichos da elite paulistana e se tornassem de fato,lugares que TODOS pudessem usufruir.Tive a sorte de ter do meu lado dois paulistanos,estudantes de mestrado,que confirmaram todas as informações.E foi na última fala de Juca que percebi o que estava em jogo:Não se trata mais de fazer crescer o bolo e reparti-lo posteriormente,como acreditavam os governos anteriores ao governo Lula.Tratava-se de democratizar o Estado, em seus mais diversos nichos.Tratava-se de compreender a sociedade e o país como um lugar de TODOS..Muito ainda está por fazer e há críticas severas a iniciativas do governo atual.Eu mesma jamais tive apreço pelo viés corporativo da presidente atual. Preferia que pudéssemos ter um governo mais voltado à participação política, à socialização da saúde e da educação,nisso ainda estamos muito atrasados.Mas há um viés que se mantém,em quase todo o tempo:a busca da democratização de acesso a direitos e garantias fundamentais .E então percebi que não haveria outro caminho a tomar...Hoje volto a esse vídeo para me lembrar o que está em jogo nessa disputa,que já se tornou sanguinolenta e suja por demais..Mas não podemos nos isentar..Afinal,por mais que muitos discordem,a política está presente em todas as áreas de nossa vida e o mínimo que podemos fazer, uma vez que ainda vivemos sob um regime representativo e não participativo,como deveria ser,é ter responsabilidade com nosso voto.Mais do que isso:combater o desrespeito à liberdade e pregar o respeito inegociável ao outro. .independente da posição escolhida,esse deve ser o único objetivo a ser perseguido por todos nós.É vergonhoso que ainda mantenhamos nossos debates políticos em campos tão rasos,tão mesquinhos quanto o fato de Dilma ser " comunista" ou Aécio ser "viciado"...Precisamos ir além..Afinal de contas,são nossas vidas que estão em jogo,sejamos elite intelectual e financeira,classe trabalhadora ou classe média.um mau governo e a não manutenção de políticas sociais,medidas impopulares,atingirão a todos,em maior ou menor grau.Cumpre prestar atenção em que país escolheremos no dia 26.E permanecer atento,não só nesse dia mas ao longo dos próximos quatro anos...

terça-feira, 8 de julho de 2014

O jogo

... A atmosfera de tensão era quase palpável, pairando no ar como uma densa nuvem....e o silêncio das ruas ia pouco a pouco penetrando as portas e janelas que ainda quedavam abertas..Ao fundo de todas as casas,uma mesma luz iluminava todos os rostos que acompanhavam,silenciosos, algumas dezenas de pés que se moviam,freneticamente para lá e para cá...Bem longe,uma corneta,intermitente,apitava,rouca...Ninguém lhe prestava atenção..Era ali,no centro das salas onde se concentrava o ponto para onde todos olhavam..Nos ônibus,nas praças,nas lojas,ninguém falava...Olhos e rostos ansiosos,mãos cruzadas no colo, as bebidas abandonadas na mesa.Distraído,o dono do bar esquecera a torneira aberta,de onde pingava lentamente um líquido indefinido...A criança, sentada no colo do pai,o sorvete esquecido a derreter nas mãos, não tinha coragem de falar, tanta era a comoção que ela adivinhava nos rostos dos pais..Parecia-lhe um ritual de morte,onde era proibido falar,como as avemarias que a avó rezava todos os dias às seis...Só o cachorro,perdido no meio fio e o morador de rua ainda se moviam,tentando arrebanhar comida das mesas abandonadas,enquanto seus ocupantes não despregavam o olhos do emocionante evento que se desenrolava diante de seus olhos...Súbito,a mocinha parada na farmácia, acompanhando do celular a mesma cena que todos, dá um grito, logo acompanhado por todos: Vaaaaaai!Como que movidos por uma mesma força, todas as bocas se abrem num esgar profundo, inclinando-se brevemente para frente. Mãos fechadas,rostos tensos,acompanhando um par de pernas que percorre velozmente o gramado,desviando de mãos e braços e pés que o querem derrubar. O senhor,sentado na porta de casa, segura o rádio como se sua vida dependesse disso...O taxista esqueceu-se de dirigir,ainda que o sinal estivesse aberto e o guarda esqueceu-se de multar..Faz-se um segundo de infinito silêncio e , enfim,na calcada da igreja,o cego,sem que ninguém lhe dissesse nada,levanta-se rapidamente deixando rolar no chão as moedas colhidas no dia , salta no ar,com o punho fechado para cima,gritando com toda a força de seus pulmões:Gooooooooooooooooooooool!!Surpresas, as pessoas em redor, olham para a tela luminosa e veem os jogadores, como uma massa humana e amarela, reunidos no centro do campo, chorando, emocionados, enquanto recebem abraços de todos os companheiros... Atônitos, os adversários não conseguem compreender de onde veio a bola, de quem foi o passe, se houve impedimento ou se o lance foi legal. E então, pressurosamente,aguardando a sua hora de entrar em cena,o árbitro ergue as mãos e confirma o que o cego, surpreendentemente intuira alheio a toda animação...Fora o silêncio e a respiração presa de dezenas de pessoas a leitura necessária para sua interpretação..No banco de praça,o velho senhor,se levanta,a contragosto..Caminha até a mesa,onde estão mais alguns senhores,resmunga algo incompreensível e então,ante o riso geral,tira do bolso e pôe na mesa meia dúzia de cédulas amassadas em frente ao careca que, debochadamente,inclina seu chapéu em agradecimento. E então, ao fundo, começa a se ouvir um som difuso, como uma dúzia de fanfarras e tamborins, enquanto uma multidão invade as ruas. Entre confetes e serpentinas jogados no ar, o cego, sorridente,alheio ao carnaval que se instala em todo lugar,toma sua latinha de moedas,sua bengala e caminha lentamente ate perder-se na última esquina,seguido por seu cão...

domingo, 25 de maio de 2014

Outono no Rio

De todas as estações, o outono me parece a que mais sintetiza a poesia do Rio de Janeiro, em seu estado mais latente.
Venham me falar de verão e cores, corpos expostos ao sol, samba e suor, Rio dos 45 graus, entre trânsito, barulho e, mais
recentemente, tiro, porrada e bomba. Esse é o Rio que os turistas aprendem, muitos com algum esforço, a aceitar, quando chegam ao Galeão , hoje transformado em inacreditável canteiro de intermináveis obras...
Não deve ser fácil mesmo amar uma cidade que lhes recebe de braços abertos na medida em que tenta surrupiar câmeras e carteiras. Verdade seja dita: amar a cidade sendo daqui é ainda mais difícil, acreditem.
Cruzar as ruas estrategicamente desorganizadas para a Copa, aguardar horas pelo transporte público para ir ao trabalho, ser removido de seu lugar de origem em prol de uma urbanidade olímpica que estamos longe de compartilhar não aumenta a paixão de ser carioca. Ao contrário.
Difícil se apaixonar assim, levando um tapa na cara diário da (falta de) segurança pública, cidadania, transportes, assistindo à população carioca, em sua maioria, ser varrida do mapa em prol de uma foto que venda uma cidade perfeita à olhares estrangeiros.(pausa para um profundo suspiro de desânimo).
O fato é que ainda estamos aqui e no caso particular desta carioca, estamos no outono, estação que reflete, na minha modesta opinião, toda a poesia escondida em cada esquina do Rio. Em que outra estação, a luz do sol pode dar tons dourados ao verde dos parques, onde o pão de açúcar se esconde por vezes por entre nuvens, para instantes depois ser iluminado por um raio intenso de sol que vai banhar a enseada de Botafogo, onde as arvores remanescentes das ruas se pintam de amarelo e vermelho e o chão se cobre de folhas que crepitam quando se pisa nelas?
Onde as ruas do centro convidam ao passeio em seus inúmeros centros culturais e há sempre um samba ou choro convidando em cada esquina, sem que o senegalesco calor que nos toma o resto do ano, desencoraje qualquer interação? A verdade é que o outono no Rio tem bossa...
Há uma coleção de dias mais frescos, uma certa chuva ocasional que esfria os ânimos e uma hipótese de inverno que se anuncia, inverno carioca, diga-se de passagem. E enquanto caminhamos por entre a improvável garoa, um aroma caramelado de pipoca ou amendoim pode tomar as ruas da Praça quinze e as livrarias próximas parecem abrir as portas estimulando uma visita...
É preciso estar suficientemente distraído para compreender a atmosfera poética, quase dramática, das construções históricas das ruas do nosso centro, entrecortadas por bares centenários e emolduradas pela Baía de Guanabara que se avizinha...
Nas mesas, quase sempre, o indefectível Chopp e petiscos variados, talvez um café e livros para alguns e o hábito do compartilhar a cidade que só o carioca tem...
. Se olhar em redor, há muitos celulares em punho e nem todos são de visitantes ocasionais.
É que nós, que somos daqui, não perdemos o insistente hábito de mostrar ao mundo o quanto (ainda ) é linda a cidade em que moramos...E a chuva, quando não exagera a dose, parece dar ao centro um ar meio londrino, bucólico, ainda que na esquina a barraquinha de churros e o vendedor ambulante de água de procedência suspeita nos lembre continuamente do lugar onde estamos...
A atmosfera de outono, seja no Centro, nas ruas de Santa Teresa ou nas proximidades do Aterro, nos jardins do MAM e no Pão de Açúcar, parece dar ao carioca, ao menos os que, como eu,tem um pé na melancolia, um bom motivo para se reapaixonar por sua cidade, ao menos nos fins de semana.
E por entre doses de café e as páginas de um livro, ainda persistem resquícios de poesia em que se acreditar para enfrentar o intenso e tenso cotidiano.
publicado também em http://magiaerazao.blogspot.com.br/2014/05/outono-no-rio.html