domingo, 25 de maio de 2014

Outono no Rio

De todas as estações, o outono me parece a que mais sintetiza a poesia do Rio de Janeiro, em seu estado mais latente.
Venham me falar de verão e cores, corpos expostos ao sol, samba e suor, Rio dos 45 graus, entre trânsito, barulho e, mais
recentemente, tiro, porrada e bomba. Esse é o Rio que os turistas aprendem, muitos com algum esforço, a aceitar, quando chegam ao Galeão , hoje transformado em inacreditável canteiro de intermináveis obras...
Não deve ser fácil mesmo amar uma cidade que lhes recebe de braços abertos na medida em que tenta surrupiar câmeras e carteiras. Verdade seja dita: amar a cidade sendo daqui é ainda mais difícil, acreditem.
Cruzar as ruas estrategicamente desorganizadas para a Copa, aguardar horas pelo transporte público para ir ao trabalho, ser removido de seu lugar de origem em prol de uma urbanidade olímpica que estamos longe de compartilhar não aumenta a paixão de ser carioca. Ao contrário.
Difícil se apaixonar assim, levando um tapa na cara diário da (falta de) segurança pública, cidadania, transportes, assistindo à população carioca, em sua maioria, ser varrida do mapa em prol de uma foto que venda uma cidade perfeita à olhares estrangeiros.(pausa para um profundo suspiro de desânimo).
O fato é que ainda estamos aqui e no caso particular desta carioca, estamos no outono, estação que reflete, na minha modesta opinião, toda a poesia escondida em cada esquina do Rio. Em que outra estação, a luz do sol pode dar tons dourados ao verde dos parques, onde o pão de açúcar se esconde por vezes por entre nuvens, para instantes depois ser iluminado por um raio intenso de sol que vai banhar a enseada de Botafogo, onde as arvores remanescentes das ruas se pintam de amarelo e vermelho e o chão se cobre de folhas que crepitam quando se pisa nelas?
Onde as ruas do centro convidam ao passeio em seus inúmeros centros culturais e há sempre um samba ou choro convidando em cada esquina, sem que o senegalesco calor que nos toma o resto do ano, desencoraje qualquer interação? A verdade é que o outono no Rio tem bossa...
Há uma coleção de dias mais frescos, uma certa chuva ocasional que esfria os ânimos e uma hipótese de inverno que se anuncia, inverno carioca, diga-se de passagem. E enquanto caminhamos por entre a improvável garoa, um aroma caramelado de pipoca ou amendoim pode tomar as ruas da Praça quinze e as livrarias próximas parecem abrir as portas estimulando uma visita...
É preciso estar suficientemente distraído para compreender a atmosfera poética, quase dramática, das construções históricas das ruas do nosso centro, entrecortadas por bares centenários e emolduradas pela Baía de Guanabara que se avizinha...
Nas mesas, quase sempre, o indefectível Chopp e petiscos variados, talvez um café e livros para alguns e o hábito do compartilhar a cidade que só o carioca tem...
. Se olhar em redor, há muitos celulares em punho e nem todos são de visitantes ocasionais.
É que nós, que somos daqui, não perdemos o insistente hábito de mostrar ao mundo o quanto (ainda ) é linda a cidade em que moramos...E a chuva, quando não exagera a dose, parece dar ao centro um ar meio londrino, bucólico, ainda que na esquina a barraquinha de churros e o vendedor ambulante de água de procedência suspeita nos lembre continuamente do lugar onde estamos...
A atmosfera de outono, seja no Centro, nas ruas de Santa Teresa ou nas proximidades do Aterro, nos jardins do MAM e no Pão de Açúcar, parece dar ao carioca, ao menos os que, como eu,tem um pé na melancolia, um bom motivo para se reapaixonar por sua cidade, ao menos nos fins de semana.
E por entre doses de café e as páginas de um livro, ainda persistem resquícios de poesia em que se acreditar para enfrentar o intenso e tenso cotidiano.
publicado também em http://magiaerazao.blogspot.com.br/2014/05/outono-no-rio.html

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