terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Narrativas urbanas- 210217

Entro no Uber, com todo o cansaço de mais de duas horas em pé, no calor de uma enfermaria. Apesar de todo o cansaço, a experiência no hospital fora muito proveitosa e eu só queria chegar em casa para despejar no papel todas as novas ideias das práticas de hoje. Cumprimentei o motorista e, logo de cara, percebi que não conseguiria ficar em silêncio, pois ele puxou assunto e comentou sobre o trânsito. Respirei fundo, pausei meu modo off-line de existência (praticamente um modo de sobrevivência desde sempre, para quem me conhece bem) e retribuí educadamente à conversação. Vez em quando olhava para o celular, distraída, um olho na conversa, o outro no Twitter. Foi quando ele me contou que estava adorando a nova profissão, depois de ter se aposentado. -De motorista, perguntei. -Também, ele revelou. Fazendo a pausa necessária ao suspense, ele me olhou com ar misterioso e disse: sou escritor! Estou publicando meu primeiro livro na semana que vem. Pronto! Agora ele tinha minha total atenção. Esquecendo o celular nas mãos, ativei o módulo jornalístico e mergulhei em sua história, na forma como, por obra do acaso, ele conhecera sua primeira personagem, que o levou a todos os demais contos reunidos em sua primeira obra. Falamos do processo criativo, das dificuldades de publicação, de como o cotidiano é um universo infinito de inspiração para quem sabe ouvir e de como, por vezes, nos intervalos da rotina, uma boa história surge assim diante de nossos olhos. Assim como a dele para mim. Ouvir alguém me falar de como escreveu seu primeiro livro só reforça minha convicção de que as histórias que merecem ser contadas quase sempre estão ali, numa brecha do tempo, no intervalo de uma tarefa, no momento em que ficamos em silêncio. Torna-se um contador de histórias envolve então, não somente o exercício trabalhoso de narrar, mas de ouvir o que se vive e o que se sente. As melhores histórias se inscrevem na pele, nos ossos, atravessando nossos dias, por sobre camadas de poeira e cansaço e exigem ser escritas. Mais do que isso. Contadas. Da mesma forma como os personagens chegaram até o escritor, a história dele chegou até mim, sendo repassada brevemente aqui, como uma cadeia que se forma entre palavras e sujeitos, por entre os silêncios do cotidiano.

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