quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Sobre os três Santos e o dia 27


Já fazia parte do calendário, todos os anos ,na casa das minhas avós, os sacos enormes de balas, pirulitos, paçocas,doce de abóbora.Eu sempre detestei doce de abóbora,mas achava maravilhoso aquela farta distribuição de açúcar,mesmo que o meu preferido,o suspiro, sempre fosse o último a entrar na jogada ..Corria-se sempre o risco de estragar a caixa toda, diante de um movimento brusco...Havia as gelatinas coloridas,em pedaços pequenos,,as marias-moles brancas e rosadas,os pés de moleque caramelizados e os saquinhos de amendoim e bananada.Sem esquecer os inacreditaveis doces chamados por nós, de " cocô de rato"..Nas ruas era a festa do descontrole e da alegria, famílias inteiras correndo dos carros, simpáticas vovós debruçadas nos muros, crianças acumuladas nas esquinas...Em Santa Teresa,onde vivia a minha vó, havia uma grande festa com bolo e guaraná pelas esquinas. E senha... Quem chegava já era direcionado para a fila,de bolo, brinquedos, refrigerante e ,claro, os saquinhos de doce.. Sempre havia um retardatário que, chegando no lugar onde se fazia a distribuição, recebia somente pirulito, quando havia...Anos mais tarde soube pela minha filha que as festas de Santa Teresa nem sequer se comparavam com o desbunde de Bento Ribeiro....Onde devia haver um prosaico saquinho de seus 20cm,sacolas de mercado lotadas,mais a pipoca vermelhinha, que vinha por fora.e brinquedos.E ainda o luxo de chocolate, coisas que,para quem tem mais de 30 anos, sabe que era uma novidade à época..Um desparrame de gente.e açúcar. Hoje fico pensando nasn recomendações nutricionais para os dias de Cosme e Damião, algo como "comer duas bananadas e um suspiro",para não ultrapassar o limite de glicose diário.Ou talvez não haja mais..O fato é que as festas de crianças ,que movimentavam famílias inteiras antigamente,foram perdendo espaço para a insegurança das ruas,os condomínios fechados, a falta de quem levasse os pequenos para pegar doce.Foram também diminuindo as famílias que distribuíam doces.A gente devia ter imaginado,quando os saquinhos de papel começaram gradativamente a serem substituídos pelos de plástico,que algo estranho começava a acontecer...Em um dia ou outro uma família, geralmente por razões religiosas,proibia os filhos de receberem os saquinhos,que antes disputávamos quase(quase?)a tapa.Daí passamos ao medo,mais recente,quando alguém arriscava levar para o trabalho ou para a vizinhança. De disputados,os saquinhos passaram a ser camuflados, escondidos.Ficaram envergonhados.Nunca se sabe o que se podia receber em resposta..Hoje poucas famílias ainda se movimentam no dia 27.... notadamente nos bairros do subúrbio...Ainda temos os descomunais sacos de doce de Bento Ribeiro,mas o preconceito só aumenta, travestido de zelo ou crença...Nesses dias penso na minha avó,já bem idosa,parada na vila onde morava, distribuindo seus saquinhos, normalmente feitos pela minha tia e minha mãe...Impossível não pensar o quanto regredimos, enquanto sociedade,se inventamos desculpas,quase sempre religiosas,para justificar nossa intolerância com o outro....Do alto de nossas verdades não vemos a reunião das famílias na sala,os pacotes de doces na mesa,os risos,as balas roubadas pelos sobrinhos, os saquinhos mais recheados para os menores, as reservas para este ou aquele... De onde estou, não vejo mal algum nesse ritual, familiar e profundamente afetivo,que remonta às avos de nossas avos... Não se enganem: não há nada além de tardes divertidas em cada doce, passadas de geração para geração.... Tudo o mais,só nossa triste capacidade de tornar ruim algo desconhecido,do alto de nossas pequenas convicções e mediocridades.... Enquanto isso, tenho certeza, há senhores,ali perto, irmãos,ao que parece, não sei precisar se são dois ou três, que guardam o movimento dos doces chegando até as crianças,para mais uma vez renovarem a fé na humanidade através do ruidoso movimento dos eres...e para quem ainda duvida, fica a pergunta:vai um saquinho de doce aí?

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