sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Sobre o fim do ministério da cultura

Pouca gente sabe ( em época onde se valoriza pouco a pesquisa em ciências humanas, textos científicos têm muito pouco valor) mas minha dissertação de mestrado investiga um projeto de cinema em escolas públicas do Rio de janeiro. Durante dois anos, analisei o projeto Cinema para Todos, produzido e financiado pela Secretaria Estadual de Cultura, entre outros órgãos.Na prática o projeto, que começou com a distribuição de ingressos de cinema para a formação de plateia em estudantes da rede pública, culminou em oficinas de audiovisual, a montagem de salas de exibição/ cineclubes em escolas públicas Estado afora e o fornecimento de filmes para a criação de acervo. Visitei muitas das cidades em que o projeto funcionava e pude constatar que o cineclube se tornava a sala de exibição da cidade, congregando shows, sessão de cinema,cursos, reuniões culturais variadas.Entrevistei pessoalmente vários estudantes, professores e funcionários da escola e na grande maioria, a relação com o cinema e as instituições culturais era bastante diminuta... Não sei se vocês sabem mas na época a relação de salas de cinema no estado fluminense era de quase 92% de municípios sem acesso,o que dava uma importância crucial ao projeto.Estou falando não somente de cidades como São Francisco de Itabapoana, Governador Portela e Seropédica, mas de localidades mais próximas como Santa Cruz e Queimados. Para quem vive nesses espaços,onde o cinema não é uma realidade,um projeto como o Cinema para Todos é vital para aproximar pessoas de outras histórias, ampliar o repertório, consolidar a reflexão sobre o mundo e sim, construir espaços de sociabilidade,que nós das ciências sociais e humanas entendemos como espaços de interação, comunicação e produção de conhecimento... Durante a observação, pude constatar que, em algumas escolas, os alunos conseguiram criar espaços extremamente autônomos, onde eram produzidas iniciativas culturais absolutamente relevantes, espaços para pensarem a cidade e tentarem transformar para melhor o lugar onde viviam.Esse foi o caso de Governador Portela,onde os alunos produziram vídeos para cobrar a prefeitura sobre a pavimentação das ruas. Infelizmente o projeto foi descontinuado e, para muitas escolas,os espaços onde funcionavam, por falta de recursos e tempo, permanece fechado. Faço esse relato para mostrar aos descrentes a importância do ministério da Cultura, que está absolutamente fora do simplismo de uma lei Rouanet,por exemplo... (Aliás, não custa lembrar que a lei funciona majoritariamente com a "autorização "para que o contemplado possa captar verba para seu produto cultural.Ou seja, na prática,não há um repasse de verbas) Ha toda uma rede de projetos de cultura como as lonas culturais (onde tive o privilégio de dançar em várias ocasiões), a rede Cultura Viva, os cineclubes nas escolas, as oficinas de audiovisual, de dança, de teatro, movimentos fundamentais geridos e sustentados pelo Ministério da Cultura, instituição criada no processo de redemocratização (1985) quando se acreditava que fortalecer as culturas era pré-requisito para o crescimento do país.Hoje o ministério é extinto e suas funções são encaminhadas, parece,para o ministério que, historicamente,mais perde recursos a cada ano, o da educação . Como ficarão os projetos e espaços culturais?Como se sustentarão instituições como museus, institutos, centros culturais,com a diminuição brutal da importância do espaço da cultura para o governo federal? Meses atrás choramos todos pelo incêndio do Museu n Nacional..Não se iludam.O fim do Ministério da Cultura afeta diretamente milhares de instituições, cidades, pessoas, jovens com necessidade de formação humana,de ampliarem seu repertório cultural e sim,viverem melhor através da dança,do cinema,da música,do teatro. Estamos assinando,com a aquiescência cega aos atos do novo governo, um compromisso de descaso e desrespeito com a (as)cultura (s) nacional (is), confirmando a desimportância que damos a cada um desses espaços e projetos que ficarão desguarnecidos a partir de hoje.Esses mesmos espaços, que visitamos nos finais de semana, aos quais levamos nossos filhos,que fotografamos continuamente, que atravessavam nosso cotidiano e tornavam nossa existência enquanto seres humanos melhor.. Considero criminoso que assistamos "sem um ai" o desmonte da cultura enquanto mecanismo de cidadania ,sob a desculpa da economia de verbas.Reflitam.Nossos impostos produzem um montante bastante representativo de verbas, cuja prioridade é papel do Estado decidir. Por que então priorizar as armas e não a promoção da cultura?Que sociedade estamos produzindo?Quais os jovens que iremos gestar?Que tipo de associações sobreviverão, quando a produção de cultura não for mais uma prioridade? Vocês não precisam me responder.A resposta está todos os dias nas esquinas,nas ruas,nas páginas dos jornais nas seções policiais.. Reflitam no grau de responsabilidade de todos nós e ousem mudar de ideia.